Viver é estar em trânsito
Viver é estar em trânsito
Por Hilda Lucas
Alguns lugares, assim como certos sonhos, nos acordam por dentro. Nos fazem querer uma nova geografia, novos ventos, o novo em nós. Às vezes chegamos a um determinado lugar e nos transformamos. Não por que seja belíssimo ou mágico ou místico. (A mudança espera pacientemente dentro de nós, como é dentro de nós que muitas vezes jaz como os sonhos, os suspiros e a esperança...) Não! Não é o lugar que nos transforma mas sim a pausa que nos permitimos fazer. Ilha de Skye, Escócia: mais que um ponto no mapa, que um acidente geográfico virou um espaço na alma.
Um não-lugar feito de fim de mundo, fim de ciclo, novo e velho, passado e futuro. Um pedaço de terra envolto em brumas, ventos gélidos e nuvens colossais, que avança sobre um mar hostil, misterioso, indômito. (Mar e céu de Van Gogh!) Do alto de um promontório avista-se mais que o oceano, avista-se a imensidão, o desconhecido. Para trás, está tudo o que se viveu, o que já se conhece.
Todos os caminhos percorridos, todos os papéis vividos, todas as peles trocadas, as cicatrizes na alma, as tatuagens no coração, os cristais na retina, as lembranças, as histórias, os mortos, os vivos, os desaparecidos, os desencantados. Debruçada sobre aquela varanda do mundo soube que não poderia percorrer o caminho de volta. Como uma caravela antes de partir eu também não tinha outro destino senão me lançar. Soprava o vento da mudança.
Não, não fiquei na ilha, nem tampouco me atirei contra ondas e rochedos mas não era mais a mesma. A bagagem e o coração estavam aliviados de tralhas e excessos. O caminho para casa seria diferente. E, para caber dentro das mesmas paredes, portas seriam destrancadas, janelas escancaradas, entulho removido, rachaduras consertadas, vazamentos vedados. Fotografias seriam retiradas e flores murchas trocadas.
A alma expandida pede outras dimensões. Há sempre um lugar que nos espera. Uma ilha brumosa, uma planície intocada, uma cordilheira nevada, um rio sereno, um deserto misterioso ou apenas uma janela aberta. Há sempre uma revelação, uma percepção, um mirante, um divisor de águas. São oásis, paradores, portas de embarque, baldeações. Não são lugares de chegada, nem pontos finais apenas paradas providenciais que logo viram recomeços; passagens que encerram ciclos, viram páginas e nos preparam para novos destinos.
O caminho que não se cumpre, nem se finda, vira labirinto ou dá em beco sem saída. Já o caminho que se percorre inteiro e inteira, desdobra-se em outros, desvenda enigmas, cura feridas, desenha sonhos, descortina possibilidades, reescreve histórias. Estamos sempre em transformação, em movimento. Na bagagem, o invisível: o que amamos e o que aprendemos. Caminhamos sobre a Terra desde que nascemos.
Estamos sempre de mudança mesmo que não saiamos de casa. Precisamos de paisagens que nos emocionem, vistas que nos dêem horizontes, pousos que acalentem nossos sonhos. Precisamos dos prados verdejantes para repousar e dos riachos de água refrescantes para restaurar nossas forças. Precisamos de lugares, sejam eles distantes, exóticos, próximos ou familiares, onde a alma descanse e desperte porque somos peregrinos, somos mutantes, somos vastos.
Fonte-http://mdemulher.abril.com.br/bem-estar
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